"Familia" Um Projeto de Deus

"Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos" (Pv. 27:6) "Como pendentes e jóias de ouro puro, assim é o sábio repreensor para o ouvido atento" (Pv. 25:12). "O que repreende ao homem achará depois mais favor do que aquele que lisonjeia com a língua" (Pv. 28:23).

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A falta ou a deficiência na comunicação compromete a unidade familiar


    Assim como os meios de comunicação apresentam ruídos, chiados e queda de transmissão, muitos relacionamentos familiares sofrem com conflitos de idéias, mal-entendidos, até o ponto de as relações serem profundamente afetadas ou mesmo destruídas. Às vezes, por anos, e até de forma trágica e irracional. E logo o conhecido mandamento divino de honrar pai e mãe tornase uma longínqua lembrança bíblica.

    Desde o fim de outubro, dois crimes movimentaram a rotina do 27º Distrito Policial de Campo Belo, bairro de classe média alta em São Paulo. O casal Marísia e Manfred von Richthofen foi assassinado a golpes de barra de ferro com madeira por Daniel Cravinhos de Paula e Silva, 21 anos. Ele era namorado da filha do casal, a estudante de Direito Suzane Louise Von Richthofen, de 19 anos, e dividiu a tarefa com o irmão Christian Cravinhos de Paula e Silva. Suzane ajudou a planejar o crime. Menos de um mês depois, o estudante Gustavo Pereira, de 22 anos, foi preso após degolar e assassinar a avó Vera Kuhn Pereira, de 73 anos, quando ela estava na cama. Horas depois, a empregada da casa, Cleide Ferreira da Silva, de 20 anos, foi morta a facadas pelo rapaz. Praticante de artes marciais e ex-estudante de Direito, ele estava sob efeito de cocaína. A mãe, a empresária Vera de Macedo Pereira, proprietária de uma lavanderia, poderia ter sido mais uma vítima, mas escapou por ter passado a noite fora, com o namorado.

    Entender os motivos de tanta violência contra a própria origem é o que especialistas, filósofos, amigos e religiosos têm tentado desde que as notícias surgiram na imprensa. Suzane disse que fez tudo por amor a Daniel. Gustavo não sabe explicar. As vítimas não estão vivas para contar a sua versão. No entanto, pode-se dizer que a relação com estes familiares estava, no mínimo, comprometida por falta ou deficiência na comunicação.

    "Existem perfis patológicos de pessoas que cometem crimes assim, mas não estes. Logo notei que era pura falta de diálogo", afirma o delegado titular do 27º distrito, Enjolras Rello de Araújo, com 22 anos de profissão e que atendeu os dois casos. "Antes mesmo de conversar, a gente nota abalos na estrutura da família. Suzane deixou transparecer que o pai era rude e não dialogava. Gustavo disse que não tinha pai. Um rapaz magoado, viciado há seis anos e tendo passado por várias clínicas não poderia ter ficado sozinho."
Para o delegado, trata-se de um problema social que se tornou um verdadeiro desafio para as famílias. "Não vamos jogar tudo nas costas dos pais, pois é difícil criar um filho.
Os jovens estão impressionados pelo mundo do consumo e são eternos insatisfeitos. Mas é preciso encontrar um meio-termo. É preciso dar amor, arrumar tempo para ficar ao lado do filho, beijar o rosto, perguntar se está bem e como foi na escola, por exemplo", diz.

    Vida paralela 

    O caso de Suzane chamou a atenção da opinião pública por vários detalhes contados em depoimentos e durante a reconstituição do crime.
Na metade do ano, os pais viajaram por um mês ao exterior. Daniel passou esse tempo na casa da namorada, uma mansão no Campo Belo. Quando os Richthofen voltaram, reprovaram e decidiram proibir o namoro, já de três anos, e ela teria sido ameaçada de ir morar na Alemanha.

    Surgiu, então, a idéia do assassinato. Na noite do crime, Suzane foi ao quarto dos pais ver se realmente dormiam. A mãe ainda teria gritado o nome da filha. Quando terminaram, desarrumaram a biblioteca para parecer assalto e o casal foi a um motel para garantir um álibi. Dias depois do enterro, Suzane foi com o irmão Andreas, de 15 anos, para a igreja que a família freqüentava. Mais tarde, o crime foi confessado, e Suzane disse que estava com muita raiva. Segundo a polícia, a garota e o irmão, que está sob tutela de um tio, tinham certa amizade com a família dos irmãos Cravinhos, e Andréas andava num ciclomotor montado para ele. Os Richthofen não sabiam.

    "Suzane foi criada numa gaiola de ouro", diz Içami Tiba, psicanalista especializado em adolescentes e autor do recente lançamento Quem ama, educa. Tiba define o crime como uma mera "crise de birra". "O brinquedo era querer levar uma vida de casada.
Os pais tornaram-se seus inimigos e foram mortos. Com auto-estima baixa, infantilidade, usando maconha, que despersonaliza o seu usuário, tornando-o frio e cruel, engendrou um crime de Romeu e Julieta. Só que, na realidade, o Romeu estava mais interessado nos bens da Julieta do que na própria Julieta."

Apoio 

    A Igreja Evangélica Luterana de São Paulo, no bairro de Santo Amaro, onde Suzane esteve dias depois, era o local escolhido pela família Richthofen para congregar há quase 20 anos. Apesar de não ir com regularidade aos cultos, a família era conhecida dos pastores e tinha amigos e parentes ali. Os filhos também iam, de vez em quando, com os pais ou amigos da família. O pastor Herman Wille, que batizou Andreas, também procura respostas. Assim como os colegas da faculdade de Suzane, diz que não parecia haver nada anormal no comportamento da garota. "Muitos fatores podem estar incluídos aí, e a primeira reação das pessoas é condenar. Nada justifica a violência, mas precisamos todos ver que lição podemos tirar disso", diz.

    Segundo o pastor, especialistas que conheciam a família estão avaliando como vão dar apoio a Suzane e Andreas. Para ele, a carta que o irmão mostrou à imprensa, dizendo que perdoava a irmã e que continuaria a amá-la, mostra que o garoto assimilou valores dos pais e do Evangelho, mas não sabe o impacto que isto terá. Herman Wille foi um dos que enviou livros a Suzane, ainda no distrito policial. A sua colaboração foi o título O amor que acende a lua, do teólogo e psicanalista Rubem Alves.
O pastor Herman Wille diz que nada justifica a violência, mas não se pode fazer pré-julgamentos
Para ele, os pais de adolescentes e jovens estão acuados entre a autonomia que os filhos querem e o limite que devem dar. Isto também causa a dificuldade de dialogar e estabelecer uma comunicação adequada. Querem criar fronteiras para proteger e encaminhar bem os filhos, mas nem sempre conseguem. 

    "A família quer livrar seu filho da pobreza, da violência, do crime organizado e das drogas. Não há uma receita perfeita, nem uma solução particular, de cada família, para educar e criar. A primeira coisa que fazemos é questionar os pais, mas eles não estão sozinhos nisto. Vivemos numa aldeia global, onde todas as instituições têm que estar comprometidas - escolas, família e também a igreja - mas as suas fronteiras estão muito frágeis."

    Mesmo assim, o pastor - que também coordena um trabalho de acompanhamento de 300 crianças e jovens de quatro a 17 anos na periferia da Zona Sul de São Paulo - conclui que, sejam de classe baixa ou alta, os problemas familiares aparecem da mesma forma. Impor opinião e não ter tempo para os filhos, além da falta de diálogo, são problemas comuns. 

    "Em vez de se aproximarem dos filhos, os pais ricos buscam supri-los emocionalmente com bens de consumo, e não deixam que passem por frustrações. Protegendo muito, evitam filhos amadurecidos. Nas famílias mais pobres, a falta de recursos para suprir as necessidades e vontades acaba deteriorando a saúde emocional da família e resulta em ambientes agressivos, verbal e fisicamente. O desafio é dar limite sem perder a amizade e o respeito."

    Em sua opinião, o meio cristão também apresenta essas características. "Muitas vezes vejo pais com muito tempo de igreja dizendo ao filho: 'Sou mais maduro do que você.' Ou então: 'Você está longe de Deus.' Isto gera discriminação, rejeição, e até afasta o filho dos princípios sagrados", alerta. Por causa de Suzane, a igreja está entre a recuperação do impacto e a preocupação. Herman Wille lembra a passagem bíblica em Gênesis 4.15, sobre a resposta que Deus dá a Caim quando ele diz que não agüentaria o peso do castigo por ter matado o irmão Abel: "Mas o Deus Eterno respondeu: Isto não vai acontecer. Pois se alguém matar você, serão mortas sete pessoas da sua família, como vingança. Em seguida, o Eterno pôs um sinal em Caim para que, se alguém o encontrasse, não o matasse" (NTLH). O pastor entende que a marca não é um estigma, mas uma proteção de Deus. "Suzane tem a marca de Caim", compara.

    O psiquiatra e psicanalista Maurício Garrote, do Instituto de Estudos e Práticas Interdisciplinares, diz que dois fatores interferem nos relacionamentos em geral. "Primeiro, um pensamento de que há um mal, e esTe mal está no outro, não em nós. É como os pais que colocam a culpa nas drogas ou nos amigos do filho, nunca no filho. Segundo, a dificuldade de ver o outro como próximo, assim como um doutor da Lei perguntou a Jesus, em Lucas 10", afirma.

    No caso de Suzane, o fato de estar numa igreja desde pequena não a livrou do mal. Ela também teve dificuldade de ver os pais como próximos. O que a levou a isto? "Só uma análise aprofundada pode fazer entender o que a levou a essa atitude. É difícil falar de algo que só se conhece pelos jornais." E conclui: "Como cristãos, temos que pensar em como vamos veicular princípios e ética na família. Os pais não podem tentar ser pais ideais e nem corresponder à imagem que o filho quer. Têm que admitir seus defeitos, dificuldades e limites. A comunicação só ocorre quando os dois lados falam e os dois lados ouvem com atenção." 

Fonte: Revista Lar Cristão

Nenhum comentário:

Postar um comentário